terça-feira, 20 de novembro de 2012

AVALIAÇÃO E TRATAMENTO FISIOTERÁPICO NA DOENÇA ARTERIAL OBSTRUTIVA PERIFÉRICA DE MMSS


A doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) é caracterizada por perfusão inadequada no membro, usualmente devido a processo aterosclerótico1. Os principais sinais e sintomas são: dor, redução de temperatura cutânea, ausência ou diminuição dos pulsos do membro acometido, cianose, hipoperfusão, alterações tróficas e claudicação intermitente, sendo este último o sintoma mais freqüentemente observado nos membros inferiores1. Nos membros superiores, o sintoma claudicante pode ocorrer principalmente quando a atividade é realizada com os braços em elevação2-4. A DAOP nos membros superiores tem menor incidência e está mais freqüentemente associada a iatrogenia decorrente de cateterismo2,3.
Dentre as formas de tratamento para DAOP têm-se intervenção cirúrgica, terapia medicamentosa e programa de reabilitação fisioterápica como alternativas para a redução dos sintomas claudicantes, melhora da capacidade funcional, prevenção da progressão da oclusão vascular e das complicações cardiovasculares5. Entretanto, não existem protocolos específicos para a avaliação funcional de claudicação de membros superiores, nem mesmo protocolo específico para a reabilitação de tais pacientes, devido, provavelmente, à baixa incidência/prevalência da claudicação de membro superior. Apesar da presença da claudicação e da limitação funcional observadas nessa condição, os protocolos de avaliação e tratamento ainda não são sistematizados. O objetivo deste artigo é, portanto, apresentar um estudo de caso em que se propõe um protocolo de avaliação e intervenção de uma paciente com claudicação de membro superior.

Descrição do caso
Mulher de 51 anos, portadora de DAOP no membro superior esquerdo, secundária a obstrução da artéria braquial após cateterismo. A paciente apresentava 4 meses de evolução do quadro desde a realização do cateterismo, com piora progressiva de sintomas, culminando no afastamento do trabalho devido ao sintoma claudicante que lhe impunha restrições funcionais.
As queixas incluíam dor limitante para a realização de tarefas do lar (classificada como estágio II na classificação de Fontaine adaptada para membros superiores: aparecimento de dor isquêmica durante esforços físicos4), parestesia e perda de força no membro superior esquerdo. A paciente era hipertensa, controlada por terapia medicamentosa, e tinha antecedentes de distúrbio de coagulação. Os medicamentos Diovan® (80 mg) qd, Angipress® (25 mg) qd e ácido acetilsalicílico (500 mg) qd estavam em uso.
No exame físico, observou-se membro superior esquerdo cianótico, baixa temperatura cutânea e ausência de pulso radial à palpação. Na avaliação ultra-sonográfica (Doppler contínuo), observou-se presença de fluxo monofásico em artérias radial e ulnar.

Testes utilizados
- Teste em cicloergômetro de membros superiores (CEMS). Teste de esforço progressivo iniciado com carga de 15 Watts, com incrementos de 5 Watts a cada 3 minutos até atingir 12 minutos, e de 10 Watts a partir de 12 minutos até o alcance de dor isquêmica máxima. Foram registrados o tempo de início da dor e o tempo durante o qual a paciente foi capaz de manter a atividade. Após o teste, foi registrado o tempo necessário para cessar a dor no membro superior esquerdo, denominado tempo de recuperação6.
- Avaliação da qualidade de vida. Foi utilizado o questionário SF-36, em sua versão traduzida para português e validada por Ciconelli et al.7. O SF-36 é um instrumento genérico de avaliação de qualidade de vida, multidimensional, composto por 36 itens que avaliam oito domínios: capacidade funcional, aspecto físico, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos social e emocional e saúde mental. Apresenta uma pontuação de 0 a 100, sendo 0 o pior estado geral de saúde e 100 o melhor7.
Neste estudo de caso, foram cumpridos os termos da Resolução 196, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde. Todos os testes foram aplicados antes e após a intervenção com consentimento livre e esclarecido da paciente. A intervenção fisioterapêutica teve uma freqüência de três vezes por semana e estendeu-se por 8 semanas, consistindo de programa ambulatorial com alongamento de musculatura da cintura escapular, bíceps braquial e flexores dos punhos, e condicionamento em CEMS até atingir dor máxima. O treinamento foi iniciado com 15 Watts, evoluindo gradativamente para 35 Watts. A paciente deveria completar 20 minutos de treinamento na bicicleta independentemente dos períodos em que precisava descansar. Também foi realizado programa domiciliar, em que a paciente deveria insistir em suas atividades de vida diária até que a dor máxima fosse alcançada. Só então a paciente deveria interromper a atividade, permitindo que o sintoma fosse aliviado. Tão logo a dor permitisse, a atividade deveria ser retomada.

Resultados
Não foram observadas diferenças entre as variáveis hemodinâmicas obtidas com o CEMS nos testes pré e pós-tratamento. Entretanto, a carga final aumentou de 30 Watts para 50 Watts, perfazendo um aumento de 66%. Não houve diferença relevante entre o tempo de recuperação ao final do teste antes e após o tratamento. O tempo para surgimento da dor inicial aumentou em 105%, enquanto o tempo para surgimento da dor máxima aumentou em 81% (Tabela 1). A avaliação da qualidade de vida apresentou índices que indicam melhora, sobretudo em relação aos aspectos social e emocional do SF-36, que atingiram 100% (Tabela 2).




Discussão
O presente estudo teve por objetivo apresentar um protocolo de avaliação e tratamento de claudicação de membro superior. Tanto o processo de avaliação quanto o tratamento proposto demonstraram ser exeqüíveis e bem tolerados pela paciente. O protocolo de avaliação foi capaz de detectar mudanças funcionais e na qualidade de vida no período em que a paciente esteve em tratamento.
Não foram observadas alterações substanciais nas variáveis hemodinâmicas, já que o uso do betabloqueador leva a resposta atenuada tanto de freqüência quanto de pressão arterial. A proporção de melhora observada com o teste CEMS foi clinicamente relevante. Isso talvez se explique pela especificidade da tarefa realizada, ou seja, pela semelhança entre a maneira como foi realizado o condicionamento no tratamento e a forma como o teste foi realizado.
A paciente também relatou abolição de dor durante atividades de vida diária. Entretanto, essa alteração na percepção não foi detectada totalmente pelo SF-36, já que o escore pra o item dor alcançou 62%, e não 100%. Isso sugere que a compreensão do SF-36 pode não ser satisfatória para a avaliação do paciente com doença arterial oclusiva, ainda que o teste tenha sido validado para a população brasileira7.
Tem sido sugerido que a isquemia de membro superior causada por oclusão arterial aguda decorrente de iatrogenia, como a observada neste estudo, pode apresentar melhora clínica espontânea e compensação do quadro isquêmico. Entretanto, o que se observou nesta paciente foi um progressivo agravamento do seu quadro clínico e funcional no período decorrido de 4 meses desde a instalação da obstrução até seu encaminhamento para tratamento fisioterapêutico. A paciente esteve impedida de executar suas tarefas usuais devido ao sintoma isquêmico e, desta forma, à semelhança do tratamento utilizado para sintoma isquêmico de membros inferiores decorrente de obstrução aterosclerótica, foi proposta uma intervenção através de atividade física programada.
A paciente foi submetida a um regime de exercício físico supervisionado, com intensidade tal que o limiar de dor claudicante fosse atingido. A intervenção foi mantida por um período de 8 semanas, com uma freqüência de três vezes por semana. Além disso, a paciente foi instruída a executar as tarefas de vida diária, a despeito do surgimento do sintoma. No caso de surgimento do sintoma claudicante durante as atividades no lar, a paciente foi instruída a interrompê-las até que a dor aliviasse, retomando então sua execução. Esse procedimento é semelhante ao que é proposto durante o exercício supervisionado. Dessa forma, ainda que seja mais freqüente que a melhora no status clínico e funcional dos pacientes com lesão iatrogênica do leito arterial ocorra de modo espontâneo, não se deve descartar completamente a possibilidade de a forma de intervenção proposta ter contribuído para o arrefecimento dos sintomas e para a melhora na capacidade funcional. Contudo, é necessário que futuros estudos, incluindo grupo controle e maior número de participantes, sejam realizados para determinar a eficácia da intervenção proposta, uma vez que o protocolo proposto demonstra sensibilidade para mudanças funcionais, sejam elas espontâneas ou não.

Conclusão
O protocolo de avaliação proposto, envolvendo medidas objetivas (cicloergômetro) e subjetivas (SF-36), foi bem tolerado, tendo sido capaz de detectar alterações no estado funcional da paciente. É possível que as alterações detectadas pelo protocolo proposto tenham ocorrido espontaneamente. No entanto, não devemos descartar que a intervenção possa, potencialmente, contribuir para a mitigação de sintomas e a restauração da capacidade funcional. Os resultados observados neste estudo de caso avalizam futuros estudos envolvendo maior número de participantes.

Referências
1. Maffei FHA, Lastória S, Yoshida WB, Rollo HA. Diagnóstico clínico das doenças arteriais periféricas. In: Maffei FHA, Lastória S, Yoshida WB, Rollo HA, editors. Doenças vasculares periféricas. Rio de Janeiro: Medsi, 2002. p. 287-304.         [ Links ]
2. Gornik HL, Beckman JA. Peripheral arterial disease. Circulation. 2005;111:e169-72.         [ Links ]
3. Nakano L, Wolosker N, Rosoki RA, Netto BM, Puech-Leão P. Objective evaluation of upper limb claudication: use of isokinetic dynamometry. Clinics. 2006;61:189-96.         [ Links ]
4. Guirov K, Stoyanov K, Topalov I. New method and device for assessment of functional capacity of upper extremity with chronic ischemia. Int Angiol. 1997;16:245-9.         [ Links ]
5. Schmieder F, Comerota AJ. Intermittent claudication: magnitude of the problem, patient evaluation, and therapeutic strategies. Am J Cardiol. 2001;87:3D-13D.         [ Links ]
6. Outras condições clínicas que influenciam a prescrição do exercício. In: American College of Sports Medicine. Diretrizes do ACSM para testes de esforço e sua prescrição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. p. 136-42.         [ Links ]
7. Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos W, Meinão I, Quaresma MR. Tradução para a língua portuguesa e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF-36). Rev Bras Reumatol. 1999;39:143-50.         [ Links ]
Autor:
Danielle Aparecida Gomes PereiraI; Marcelle Xavier CustódioI; João Paulo Ferreira de CarvalhoI; André Maurício Borges de CarvalhoII; Inácio Teixeira da Cunha-FilhoIII
IFisioterapeuta, Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH), Belo Horizonte, MG
IIMédico angiologista, UNI-BH, Belo Horizonte, MG
IIIPhD. Fisioterapeuta, UNI-BH, Belo Horizonte, MG

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